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E quando eu já não for tudo para ti?

  • Foto do escritor: Catarina de Oliveira
    Catarina de Oliveira
  • 24 de jan. de 2019
  • 3 min de leitura

Minha filha,


Faltam-me as palavras para expressar quão profundamente te amo. Não te vou dizer que foi um amor à primeira vista, porque não o sinto assim. Amei-te quando soube da tua existência, mas esse amor platónico só se tornou, de certa forma, real, quando encostaram a tua cara à minha pela primeira vez.


Mesmo antes de nasceres, disseram-me "Já estou a ver aqui um rabiosque" e, poucos segundos depois, ouvi-te gargarejar. Foi o primeiro som teu que ouvi: não um choro, mas um gargarejar, que rapidamente se transformou num grito estridente que acusou logo a bela qualidade dos teus pulmões.


Tudo me pareceu surreal. Doía-me o corpo todo, mas era como se já não se passasse nada. Todos diziam que eras pequenina, mas perfeitinha. "Rija como um pero", como sempre disse. Eu nem pequenina te vi, pelo menos não como as outras pessoas. Olhei para ti e achei-te linda de morrer - e olha que eu sempre fui esquisitinha com os recém-nascidos. Eras o meu Nenuco, a minha cria, o meu pequeno amor maior.


Instintivamente, guardei-te debaixo do braço, junto ao peito. Soubeste bem como mamar, fizeste o teu primeiro cocó (bem preto, como manda o figurino) dentro do previsto e quase nem choravas. Como também digo a toda a gente: eras - e és - uma bebé muito boazinha.


Não passaste tempo nenhum no berço do hospital. Dormiste comigo, sempre. Todos tinham imenso cuidado, porque passámos quase o tempo todo a dormir agarradas - pelo menos enquanto estávamos sozinhas. Não conseguia sentir-te longe de mim. Foi um sentimento único, mas que surgiu naturalmente. Levei uma bronca de uma enfermeira, porque estava a agarrar-te de tal forma que, segundo ela, estava a fazer-te suar demais. Tu nem reclamaste; continuaste a dormir, como se nada fosse.


Vindo para casa, não mudou muito: ainda tentei que dormisses na tua alcofinha, ao meu lado, mas sem sucesso. Para minha alegria (confesso!), tinhas tanta necessidade do meu aconchego quanto eu do teu. Dormimos juntas (com o papá também!) e, mesmo que nas posições mais desconfortáveis, não queria que fosse de outra maneira.


Hoje, quatro meses depois, ainda dormes a maioria do tempo connosco. Já te ris, já começas a dar umas gargalhadas, já agarras a minha cara como se me quisesses devorar, já tentas falar e sentar-te (mas ainda falta um bocadinho). Fechas os olhos quando te beijo as bochechas e ficas à espera de mais carinhos. Olhas para mim como se eu fosse o teu mundo. Tu, para mim, és toda uma vida. Agarro-te, porque preciso sentir-te perto; beijo-te, trinco-te as pernocas (e as bochechas, as orelhas, os pés, as mãos, tudo!) e cheiro-te a cabecinha, porque todos os dias mudas mais um bocadinho e eu não quero que nenhum pedacinho teu me escape.


Digo-te que te amo tantas, tantas vezes por dia, que espero que isso fique gravado no teu subconsciente, caso um dia não o possas ouvir. Dói-me fisicamente pensar neste tempo que passa a correr. Se eu pudesse, passava o dobro das noites sem dormir, o dobro dos dias em que não faço nada, o dobro de tudo, só para poder aproveitar mais um bocadinho de cada uma das tuas fases. Até a dormir és linda, meu amor, apesar de a mamã verificar que ainda estás a respirar mais vezes do que as que gosta de admitir.


Um dia vais crescer. Um dia, não vais olhar para mim como se eu fosse o teu mundo todo. Vais conhecer outros mundos, outras pessoas, outros olhares, e eu vou continuar aqui, a torcer por ti a cada passo que dás para mais longe de mim. E se esses mundos, essas pessoas ou esses olhares te traírem, debaixo do meu braço vai haver sempre espaço para te aconchegar até poderes voar novamente. Em mim, ficará sempre a esperança de que me leves no peito e que qualquer caminho te traga de volta para os meus braços, por um instante que seja.










 
 
 

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